A cena da missa presidida pelo Padre Vasco Reis

Uma das cenas que integram o filme “Poesia de Segunda Categoria” é a missa presidida, em 1935, por Vasco Reis em Moçambique. Espaço onde abruptamente penetramos no momento em que António Ferro anuncia o vencedor do Prémio Antero de Quental (Poesia) de 1934 patrocinado pelo SPN. Para essa cena contámos com os actores Paulo Campos dos Reis (que interpreta o jovem missionário) e Susana C. Gaspar (a rapariga da Igreja em relação à qual aquele parece mostrar alguns sinais de enamoramento).
Contámos também com a extraordinária comunidade católica de Terraços da Ponte (Poço do Bispo), que nos acalentou com os seus cânticos e nos deslumbrou com as suas típicas vestes africanas. Um abraço especial ao missionário Pe. Valentim, por nos ter aberto as portas do seu espaço de culto para a filmagem.

A escolha deste lugar para recriação de uma cerimónia religiosa numa das colónias portuguesas durante a fase inicial do Estado Novo, prende-se com o facto da maioria dos habitantes deste bairro ter raízes nas antigas “províncias” ultramarinas portuguesas. Entrar no espaço de culto da Comunidade Católica de Terraços da Ponte foi, até certo ponto, entrar numa espécie de “cápsula do tempo”. Ali persiste um mundo à parte, onde os traços de urbanidade precária (contemporânea) convive com um sem número de resistências (ou persistências) de forte enraizamento cultural. Durante a filmagem dos cânticos aquelas pessoas não representaram, mas actuaram como coro religioso que são. Foram iguais a si mesmas. São pessoas reais numa situação ficcional.

Uma breve pesquisa levou-nos a encontrar um blog intitulado “Projecto de intervenção para a Quinta do Mocho”, da autoria de um jovem estudante morador daquele bairro, realizado no âmbito de uma disciplina de “Seminário de Integração”. Nesse blog, “Uma breve história bairro em questão (Quinta do Mocho)”, permite-nos saber que inicialmente a população do bairro rondava os 3.500 habitantes, que as pessoas viviam ora em prédios embargados ora em barracas construídas nos anos 70. Entre esses moradores clandestinos uma boa parte era de nacionalidade angolana, mas também existiam santomenses, cabo-verdianos, moçambicanos e famílias provenientes da Europa de Leste.

A antiga Quinta do Mocho (Sacavém), foi entretanto rebaptizada como Urbanização dos Terraços da Ponte onde, a partir de 1999, foi realojada a população do antigo bairro de barracas e dos prédios inacabados. Segundo o que vem referido no blog supra citado, “a mudança de designação pretendia ultrapassar o estigma associado à ‘marca’ Quinta do Mocho, que, testemunham os habitantes, os impedia de ser bem atendidos em repartições públicas ou aceder a muitos empregos.”

Num capítulo subordinado ao tema “A Situação actual do bairro” o autor refere que:

Penso que, aumentar policiais nos bairros sociais, fazer rusgas, aumentar a patrulha etc., pode ser uma boa estratégia de combate a violência e a criminalidade nos bairros sociais, mas não o reduz, acho que por ai não é o caminho certo para diminuir o conflito nesses bairros.
É preciso moldar esses jovens, incutindo-os uma nova filosofia de vida.

Na imagem: tapeçaria pendurada no espaço de culto da Comunidade Católica do Bairro Terraços da Ponte. Fotografia de Luís Vaz desta reprodução de uma tapeçaria do artista haitiano Chaques Chéry, “Declaração dos Direitos do Homem”, editada pela Associação MISEREOR