Sebastianismo e Alquimia em Fernando Pessoa



Falhada a hipótese de regeneração de Portugal pela via do politico, do económico e do social, para Fernando Pessoa apenas restava a via da espiritualidade, do mito e do simbólico. Uma passagem de António Quadros articula com grande coerência Sebastianismo e Alquimia com os desígnios da Mensagem.

“No terceiro e último andamento, intitulado O Encoberto, Pessoa afirma a possibilidade de uma regeneração nacional pelo mito e pelos símbolos. Em termos políticos, económicos, sociais, culturais, tudo está ou parece perdido. Mas a seu ver a mitogenia, implicando a transmutação do paradigma alquímico; e a poesia de raiz mitogénica, supondo a acção pelo poder mágico e transfigurante da palavra – são mais poderosas do que a sociologia o crê, tendo imprevisíveis efeitos em profundidade.

[...] concluindo a Mensagem , Fernando Pessoa descreve simbolicamente os Tempos como os estádios de uma iniciação ou talvez como as fases de uma operação alquímica, desde o negrume ou o nigredo (o poema ‘Noite’), o sofrimento de uma divisão ou putrefactio (o poema ‘Tormenta’), a alcamia, citrinitas (o poema ‘Calma’), a albação ou o albedo (o poema ‘Antemanhã’) e por último, não desde logo a Grande Obra , após o rubedo ou o ígneo, mas a injunção a que ela surja do nevoeiro e do mistério que a envolve, D. Sebastião redivivo (arquétipo universal do Salvador escondido, do Herói imortal que sempre regressa e ressuscita, como a Fénix, pela purificação do fogo), Rei ressurgido de Portugal – Quinto Império (o poema ‘Nevoeiro’) que termina com um apelo aos irmãos, no enigmático Valete, Frates.

[...] De algum modo, Mensagem culmina toda a obra anterior de Fernando Pessoa, já que, depois da angústia, constantemente sofrida, da cisão interior expressa nos heterónimos, da solidão heroicamente vivida ou da procura do Deus na meditação metafísica, na experiência mística ou na sabedoria do oculto, foi o acto em que se exprimiu positivamente, em que decidiu e em que assumiu, mais do que um escritor ou mesmo um poeta, antes um profeta como Bandarra ou Vieira, um bardo de Portugal como Camões, um cavaleiro-templário trocando o gládio pelo poema, como D. Afonso Henriques ou o Infante D. Henrique, um mitogenista e um alquimista do verbo, como Goethe, olhando em visão espectral a alma encoberta da sua pátria e tudo fazendo pata levantá-la, salva-la, fazê-la reaparecer da espessa névoa que a envolve.”

António Quadros, “Introdução à vida e obra poética de Fernando Pessoa”, in Fernando Pessoa, Obra Poética de Fernando Pessoa. Mensagem e outros poemas afins (Introdução, organização e biobibliografia de António Quadros), Mem Martins, Europa-América, 1985, pp. 79-80.

Na imagem: fotograma do filme “Poesia de Segunda Categoria”.