Debate na FCSH "Fernando Pessoa e o Estado Novo"

Da esquerda para a direita: Richard Zenith, Teresa Rita Lopes, Margarida Acciaiuoli, André Gago e Luís Santo Vaz. 


Fernando Pessoa e o Estado Novo, a propósito da exibição da Curta-Metragem “Poesia de Segunda Categoria”, foi o mote do debate público decorrido no passado dia 22 de Janeiro na Universidade Nova de Lisboa / Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, e cuja mesa era composta por  Richard Zenith, Teresa Rita Lopes, Margarida Acciaiuoli, André Gago e Luís Santo Vaz. 

Teresa Rita Lopes começou por lançar interrogações sobre a posição de Pessoa face ao contexto político do Portugal de 1935, enquadrando-a num relativo desprendimento embora demarcando-se cada vez mais decididamente de Salazar - antigo “seminarista das contas” que se tornou “ministro de tudo”. Em especial, sublinhou a relevância do filme em destacar a figura de António Ferro, atribuindo-lhe, em última análise, a responsabilidade pela existência da própria Mensagem, considerando que a obra foi organizada e escrita por Pessoa propositadamente para a atribuição do Prémio de Poesia do SPN.
Richard Zenith empreendeu um paralelismo entre alguns dos excertos do discurso de Salazar na cerimónia de entrega dos Prémios recriada no filme e o conhecido poema Liberdade. Se Salazar, para demonstrar que se deve escrever menos, invoca a citação de Séneca: “Em estantes altas, até ao tecto, adornam a estante do preguiçoso todos os arrazoados e crónicas”, Pessoa ironiza: “Ai que prazer/Não cumprir um dever/Ter um livro para ler/E não o fazer”, ou ainda: “O mais do que isto é Jesus Cristo/ Que não sabia nada de finanças nem consta que tivesse biblioteca…”. Richard Zenith referiu, ainda, que Pessoa deixou uma nota associada ao manuscrito do poema: “Falta uma citação de Séneca”. Ora, segundo Zenith a citação que falta será precisamente a que Salazar utilizou no seu discurso, sendo o poema “Liberdade” uma resposta irónica ao autoritarismo do então Presidente do Conselho.
André Gago, que interpretou Álvaro de Campos, introduziu no debate questões sobre a própria figura de Pessoa, enquanto símbolo iconográfico português, construído através daquilo que já se tornou uma máscara estilizada a partir dos traços da tríade  ‘óculos – bigode-laço’ do Poeta embora, a seu ver, este ainda não faça parte inquestionável da identidade portuguesa, numa visão de enraizamento ‘popular’, poder-se-á dizer, como será Shakespeare na cultura anglo-saxónica.  A propósito do filme, destacou o seu processo de construção de personagem e as várias imagens que para si idealizam o heterónimo, não só o seu aspecto físico (fisionomia, traje…) como principalmente o contexto dos lugares da sua poesia (o cais, a tabacaria). Mas a sua personagem, como contou, ganhou um ímpeto próprio aquando da rodagem, apropriando-se do argumento numa interpretação arriscada a partir do momento e do ambiente de cena.
O público, composto por investigadores da obra de Pessoa, estudantes de várias áreas e amantes do cinema, demonstrou no geral a sua satisfação pelo filme, nomeadamente por recriar um momento histórico pouco conhecido e trazer uma nova abordagem ficcionada destacando a figura de Cecília Meireles enquanto ponte de lusofonia que o próprio legado Pessoano exorta.
Margarida Acciaiuoli, Professora Catedrática da FCSH, organizadora da iniciativa conjuntamente com Bruno Marques, concluiu o serão alertando para a pertinência de levar o filme às escolas e ao público em geral, como gerador de reflexão sobre diferentes áreas multidisciplinares onde o mesmo se insere, nomeadamente por exemplo na História, na Literatura, na Política, entre outras, consolidando todas as potencialidades do filme - que não se pode deixar fechado na gaveta. - na Arca?…
Em aberto ficou a controvérsia se a Mensagem é uma obra fatalista, nostálgica (Zenith) ou cheia de fulgor (Teresa Rita Lopes) e sinal de esperança.
Se o conjunto de 44 poemas deixou de se intitular Portugal para ser MENS AGitat Molen, só poderá ser, como o próprio Pessoa, tudo isso: Fulgor Nostálgico, do nevoeiro a Esperança…