Génio e Loucura: a construção do mito
One of my mental complication
– horrible beyond words – is a fear of insanity, which itself is insanity.
FERNANDO PESSOA, Páginas
Íntimas e de Auto-Interpretação.
(Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado
Coelho.) Lisboa: Ática, 1966. - 6.
Fernando Pessoa ouvia vozes e falava sozinho? Numa cena do
filme “Poesia de Segunda Categoria”, em pleno exercício de heteronomia, o poeta parece dar-se
positivamente conta de que é louco. “Louco sim, porque quer grandeza. Grandeza!” é
a deixa que cita um poema central da Mensagem.
Um ensaio de Jerónimo Pizarro, intitulado “Escritos sobre Génio e Loucura – história de uma investigação” (in A Arca de Pessoa, Lisboa, ICS, 2007) dá-nos conta que em Pessoa existe de facto uma “obsessão” pelos temas do “génio, da loucura e da degenerescência” (Pizarro, 2007, 344), tópicos persistente que foram tratados pelo poeta numa perspectiva ora “médica, histórica ou filosófica”, ora “ficcional”.
Algures na Mensagem, a respeito do vulto de D. Sebastião,
escreveu assim o poeta:
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?
Na análise que faz desde poema (“D. Sebastião, Rei de Portugal”), Nuno Hipólito escreve o
seguinte:
Ficando lá [no areal] o seu
corpo, mas não a sua memória, o seu mito.
[...] A grandeza que ele [D. Sebastião]
buscava, é da índole que não vem só com a sorte, mas com a predestinação e a
coragem. Mas nele não ‘coube’ a sua ‘certeza’, o mesmo é dizer: ele não era o
bastante para conter o que acabou por ser a sua maior conquista, apesar da
morte: o seu mito renascido.
[...] Começa Pessoa por dizer
que o Destino que D. Sebastião desejava ser o seu – o líder da cruzada – pode
ter passado a outro (‘Minha loucura, outros que me a tomem’). Fala, mais do que
esse Destino em específico, da loucura que é desejar algo maior. Essa loucura é
infinita e pode ser de qualquer um que a deseje. Esse é o significado de
‘outros que me a tomem / Com o que nela ia’.
Na cena final do filme “Poesia Segunda Categoria”, as
múltiplas vozes da heteronímia que se sobrepõem são os exércitos que acompanham
Pessoa antes de ele fechar a sua tumba. No momento em que o último poema da
Mensagem é lido em público (na festa dos Prémios Literários do SPN), a sua
morte física pode finalmente dar lugar ao nascimento do mito.
Na imagem: Fernando Pessoa
(interpretado por Rui Mário) no seu quarto. Cena do filme “Poesia de Segunda de
Segunda Categoria”.